Esperaram quase uma hora. Quando a campainha da porta soou, ela levantou-se e foi abrir, mas no patamar não havia ninguém. Atendeu ao telefone interno, Muito bem, ele desce já, respondeu. Voltou para o marido e disse-lhe, Que esperam em baixo, têm ordem expressa de não subir, Pelos vistos o ministério está mesmo assustado, Vamos. Desceram no elevador, ela ajudou o marido a transpor os últimos degraus, depois a entrar na ambulância, voltou à escada para buscar a mala, içou-a sozinha e emporrou-a para dentro. Finalmente subiu e sentou-se ao lado do marido. O condutor da ambulância protestou do banco da frente, Só posso levá-lo a ele, são as ordens que tenho, a senhora saia. A mulher, calmamente, respondeu, Tem de me levar também a mim, ceguei agora mesmo.
José Saramago
Ensaio Sobre a Cegueira
Edição: Diário de Notícias
nota: A edição que tenho na estante é da colecção "Prémios Nobel" publicada em 2003 pelo Diário de Notícias.